VESTIDO AZUL
domingo, agosto 26, 2007
  MISTÉRIO, MISTICISMO E ENTRETENIMENTO EM "LOST"
(o texto abaixo foi redigido para uma disciplina do curso de jornalismo da PUC no começo do ano. Está mal formulado e grosseiro em muitos termos de análise - foi escrito muito rapidamente para um trabalho que sequer levaria em consideração tal aspecto do texto, fato que contribuiu para meu desleixo - mas não está reescrito, sequer revisado - por falta de tempo e saco. Mesmo assim, é chato escrever algo e saber que ninguém o lerá com atenção. Com a ingênua esperança de que aqui isso não acontecerá, publico o texto como foi entregue)

São muitas as tentativas de explicação pela mídia especializada em comentários sobre a cultura pop para o gigantesco sucesso do seriado de televisão norte-americana “Lost” (refiro-me às mais variadas mídias culturais, que temos como exemplo aqui no Brasil a Folha Ilustrada, o Caderno Dois, a Superinteressante, e por aí vai). Dirigida por mais de sete diretores, escrita por mais de quinze roteiristas, tornou-se um daqueles “fenômenos” confortavelmente aceitos e admirados pelos detentores das opiniões que regem os sucessos das mais variadas programações: A inominável massa desconforme que constitui os expectadores. É o jugo luxurioso desta massa que rege o que é concretamente aceitável para ser passado em determinados horários televisivos.

O ganho das emissoras com o sucesso de seus programas está, obviamente, nas astronômicas quantias pagas por patrocinadores para terem suas marcas aparecendo nos (muito ilustrativos só pelo nome dado) horários comerciais. Ora, se é justamente com a atenção dos telespectadores que é proporcionado o lucro deste campo corporativo, é evidente que os programas mais assistidos não serão apenas encorajados, mas lidados como se fossem de extrema relevância. Fica claro que a razão de veiculação de atrações não é propriamente a qualidade do programa. Em verdade, a qualidade e peso do conteúdo do que é passado é o que menos importa nesta perspectiva.

A ótica crua destas relações é responsável pelas famosas atrações de programas de domingo, o que já é referência pejorativa para a crítica televisiva. Tendo como senso comum a baixa qualidade destes programas, torna-se fácil explicar e ilustrar o que foi apontado anteriormente: São programas de conteúdo escancaradamente de fácil compreensão, que não exigem qualquer tipo de reflexão, ou necessidade de interação com a realidade vivida no cotidiano, e quando o contrário, alimenta-se a construção do dia-a-dia ao invés de estranhá-la ou colocá-la em qualquer plano de simbolização mais profunda.

O que torna estes programas tão facilmente consumíveis são justamente os momentos previsíveis que ocorrem a todo o momento (as celebridades emocionando-se devido às mini-biografias apresentadas, o cidadão comum ganhando ou perdendo uma quantia escandalosa de dinheiro por ter respondido uma pergunta aparentemente aleatória, ou os rapazes e garotas de reality shows fomentando suas intrigas internas). O que prende o telespectador não é propriamente a resolução destas questões, pois os conteúdos dos programas variam, mas a formulação de tensões é sempre a forma recorrente de chamar a atenção. O expectador nada sabe da celebridade apresentada, mas quer saber de que maneira ela se assemelha com um ser humano do cotidiano, não sabe a resposta da pergunta feita pelo apresentador, mas quer saber qual a resposta que dará o passaporte para uma vida idealizada para um cidadão comum, desconhece qualquer uma das pessoas do reality show, mas as resoluções das tensões entre eles, por mais irrelevantes que sejam, é o que saciará sua vontade de assistir ao programa. Esta vontade totalmente isolada de qualquer caráter reflexivo é o que diverte o expectador. Por isto estas e outras atrações (não necessariamente televisivas) são chamadas de “entretenimento”.

Estas tensões são o que torna concreto o produto demandado pelos consumidores (expectadores). Quanto mais entretidas estiverem as massas que ficam à frente das telinhas, mais enfáticas serão as aprovações destes programas para passarem nas emissoras.

Antes de analisar qualquer coisa sobre “Lost”, é preciso lembrar que os episódios são escritos ao longo da produção do seriado, logo não há uma totalidade por trás do que é mostrado. Para escrever qualquer linha de uma próxima temporada, os produtores precisam saber se há a especulação de uma audiência alta o suficiente para este ser um investimento lucrativo.

Voltemo-nos agora para os inúmeros mistérios apresentados nas duas primeiras temporadas do seriado:

Temos um aleijado cujo nome é o mesmo de um pensador empirista britânico da época pré-moderna e que misteriosamente começa a andar, números que aparentemente trazem azar e possivelmente representam o apocalipse criptografado, uma corporação misteriosa que aparentemente administrou pesquisas na ilha, uma cientista cujo nome é o mesmo de um teórico político que influenciou a Revolução Francesa e os primórdios do pensamento socialista e que aparentemente enlouqueceu por solidão na ilha, a aparição de personagens que não estavam na lista de passageiros do avião que caiu e simplesmente começam a importunar com sussurros os que se perdem na floresta (altos o suficiente para serem ouvidos) e fogueiras misteriosas, um leviatã esfumaçado que aparenta estar guardando algo, e muitas outras tensões (a maioria resolvida nas próprias temporadas em que são apresentadas, outras são deixadas em aberto para manter o espectador interessado na que segue).

Todas retiradas do desenvolvimento de uma história simples de ser descrita: Um avião cai numa ilha misteriosa no Pacífico e os sobreviventes, com a demora do resgate, vêem-se obrigados a organizar-se para superar o longo tempo de isolamento. Com o desenrolar da história, os problemas e obstáculos que formam os episódios são construídos.

Em primeiro momento o seriado parece um daqueles clichês de criações micro-cósmicas para formular um paradigma que explique as relações da sociedade em seu âmbito mais geral. Afinal, são representantes de todas as partes do mundo que são obrigados a aprender a viver harmoniosamente. São americanos, canadenses, australianos, ingleses, uma francesa, dois coreanos, um iraquiano ex-soldado da Guarda Republicana Iraquiana e outros que aparecem na segunda temporada e que não abordarei (apesar da popularidade do ermitão Desdemond) para me ater apenas aos componentes que firmam o enredo (ou seja, os da primeira temporada).

Se esta idéia de “representação do mundo” ou qualquer coisa do tipo (que por si só já apresentaria insuficiências terríveis) foi de fato a intenção dos criadores no início do seriado, já pecam pela maneira que os personagens são sintetizados:

Todas suas ações e conflitos são derivados de recalques individuais, formulados com uma tentativa de densidade dramática que apenas reforça suas individualidades e a tentativa dos diretores e roteiristas de aproximação com um “cidadão comum”. Não há qualquer possibilidade de assimilação simbólica entre os personagens e suas respectivas nacionalidades em âmbitos coletivos. Mesmo porque, quando determinados personagens aparentam fazer esta representação, são estereotipados da maneira mais crassa e preconceituosa. Como exemplo disto, temos Sayd, o iraquiano que é “culturalmente assimilado” à lógica ocidental, transformado num anti-herói-clichê que luta para redimir-se e salvar sua donzela em apuros. Temos também o casal de coreanos que sofrem por terem de seguir os costumes de seu país, e a mulher vê-se obrigada a ter como resposta para sua situação o desprendimento desta repressão da suposta cultura oriental, para tomar como conduta normativa a da mulher ocidental.

O que também impede qualquer tipo de interpretação profunda do seriado que envolva os simbolismos jogados ao longo dos episódios é o caráter místico de todos os conflitos de grande tensão: “Você tem fé que os passageiros da outra parte do avião sobreviveram à queda?”, “Você acredita que alguns números poderiam reger seu controle sobre o próprio destino?”, “Você acredita que a Ilha poderia dar-lhe algo se você oferecer algo em troca?”, ou “Você acredita na existência dos Outros?” (ainda me refiro apenas à primeira temporada). A construção do enredo deste seriado não poderia coerentemente basear-se em um paradigma sócio-cultural se o melhor que ele consegue conceber como articulação entre os personagens e seus conflitos é a fé de que tudo dará certo, e então simplesmente mostrar que estas prédicas religiosas estavam corretas. Como exemplos, temos as profecias de John Locke sendo concretizadas (a morte de Boone e o avião no penhasco) e seu milagre secreto movendo-o e dando-lhe forças para enfrentar as adversidades e momentos de liderança na ilha. Também há os números de Hurley, cuja ordem poderia (ou não) malfadar o destino de vários, tudo depende se temos (ou não) fé se há controle sobre o destino. Este teor de misticismo é o que reforça a tensão do seriado. Todas as profecias, mal-agouros, crenças religiosas e afins são sustentadas até o ultimo momento.

Quando estas questões são levantadas de maneira a serem abordadas desta forma, são simplificadas como perspectivas absolutas de “crença” ou “descrença”, degradando-se todos os conflitos criados a uma forma de reflexão muito mais fácil e “consumível” para o grande público. Já que não exige tanta profundidade, o seriado torna-se “divertido” e tido como uma forma de “entretenimento”.

Mas e quanto aos mapas, os Outros, os sussurros na floresta, a queda do avião ainda sem explicação e outras questões não resolvidas? São nestes mistérios que o seriado mascara seu caráter de mera forma de aquisição de lucros para as emissoras e corporações que regem o que será levado ao ar no horário em questão. Deve-se lembrar que logo quando um mistério é resolvido ou afirmado, ocorre no ritmo do seriado um toque de alguma música que sustenta um clima de suspense e interrompe a programação para mostrar os comerciais (verdadeira razão de escolha deste seriado especificamente para ser colocado ao ar neste momento).

Mas e quanto aos nomes peculiares de John Locke, Danielle Rousseau, Jack, Sawyer e outros? As reflexões sobre alegorias como essas não trazem certo peso ao seriado? Mesmo se todos que assistem ao seriado lessem todo o Do Contrato Social ou Sobre o Governo Civil, a única coisa que perceberiam é que os que roteirizaram o seriado nada sabem sobre teoria política, muito menos sobre o processo de constituição da sociedade civil. Aliás, uma observação interessante é que a concepção da organização social para proteger-se de um monstro esfumaçado inominável que poucos têm consciência que existe (um Leviatã da essência humana) não é nem de Rousseau, nem de Locke, mas de Thomas Hobbes.

Quanto a Sawyer e Jack, são nomes americanos que representam o cidadão comum Americano, sendo Sawyer o sulista, assim como na novela de Mark Twain. Jack é o bom americano, o líder nato, herói de todos, exemplo de nobreza, obstinação e persistência. Sawyer é o “homem corrompido”, o lado negro desta cultura, mas que procura redenção. Daí mostra-se os dois brigando pela mesma garota, colocando-os no mesmo plano de conflito. Esta concepção de personagens é um absurdo clichê literário. É carregado de um moralismo conservador tipicamente norte-americano.

Mas são justamente estes componentes que mascaram o seriado e faz com que aparente ser o que não é: Uma construção criativa de qualidade.

Desta forma, os mistérios de “Lost”, juntamente com seu misticismo, que degradam qualquer linguagem de suspense que o seriado possa ter a algo concretamente consumível para o grande público (novamente me refiro à resolução de tensões ao longo do seriado, assim como os componentes das programações de domingo apontadas no início do texto), tornam este programa um mero pastiche de fórmulas para o “entretenimento” dos expectadores. Pode-se observar por toda internet uma febre gigantesca de fanatismo pop. Mas os núcleos das discussões relativas ao seriado são sempre sobre o quanto é aprazível determinado personagem ou situação. Os espectadores sentem-se aproximados, e até identificam-se com o que assistem. O grande foco é agradar ao público da maneira mais confortável possível, pois caso contrário, o seriado perde seu sentido. Torna-se óbvia a razão do sucesso fenomenal do seriado, mesmo entre os que criticam as tais programações de domingo: O espectador pode aceita-lo passivamente para saciar sua vontade de diversão vazia, sem sentir a culpa de estar assistindo algo que aparente ser vazio.

 
segunda-feira, agosto 20, 2007
 
rosa, linda rosa, quanto mais te despedaçam, mais te sinto milagrosa
 
terça-feira, agosto 14, 2007
  demônio da tazmânia
da camisa esburacada
da garota teimosa
o demônio da tazmânia
graceja com dentes arraigados
para a tira de um jornal
há algum tempo amassado

a manchete eriçava:
"BC's injetam mais US$72 Bi
E os mercados têm trégua"

distraída, a garota rói as unhas
olha fixamente
um muro pichado

por trás da pichação
há tinta,
sobre tinta,
sobre tinta,
sobre tinta,
sobre cimento endurecido,
há muito secado.

 
  ruas
alinhavadas de forma paralela
(cuidadosamente mesuradas)
impenetráveis
de piche sedimentado

abarcando impolutas estruturas:
vulvas, lábios, curvas
em brutais inflexões,
envoltas por
couro, velcro e veludo,
(Ah! O invólucro de glitter...)
sublevam fractais de feições:
belezas a esmo

- Aqui a infinitude
(como telas pechinchadas)
subjaz

 

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