VESTIDO AZUL
quinta-feira, setembro 13, 2007
  "Toma lá dá cá"
(mais um texto de trabalho para faculdade. Também tem sérios problmas, principalmente quando falo de "cidadão comum brasileiro", que já implica vários estupros de conceitos)

Muito do que é retratado no programa “Toma lá dá cá”, de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, é mera projeção de uma idéia de cotidiano. As falas forçosamente espontâneas, as respostas rápidas e com sacadas irônicas no timing correto, toda interação entre os personagens compõe uma afirmação de como a vida é, ou, dependendo do ponto de vista, de como deveria ser.
A cenografia, cuidadosamente composta para indicar a naturalidade da ambiência de uma família comum, com retratos aleatórios nas paredes dos apartamentos, sofás de cores variadas, é composta de modo que tudo esteja na mais calculada espontaneidade realista para criar signos e expressões da individualidade de seja lá quem for que habita o lugar.
Cada personagem assim se adequa aos olhos atentos do público. São perfeitos estereótipos: A filha adolescente que ignora a escola para curtir a vida adoidada, a avó experiente que agora passa os dias sendo sustentada pela filha, um macarrão amoroso entre dois casais que tentam viver avizinhados, um adolescente aéreo, outro que sabe das coisas e uma empregada imigrante de outra região do Brasil, e que se adapta aos ambientes das famílias. Cada um apresenta peculiaridades que soam coerentes na formação exposta.
O resultado ambicionado nesta construção cênica é uma identificação, ou prolongamento, do que seria o cotidiano do cidadão comum brasileiro. Como consta o autor, “Toma Lá Dá Cá é um humorístico que não faz mal a ninguém. Não tem a pretensão de mudar nada. Só distrair”. Com este raciocínio em mente, Falabella ambicionava inicialmente conseguir outro horário para o programa: “Queria que fosse aos domingos, depois do Fantástico, que assim as pessoas vão dormir mais felizes para encarar a batalha dos dias úteis que se seguem”.
O que configura a “batalha” referida são fatores que estão completamente contrapostos em relação aos elementos retratados. O programa impõe em sua despretensão um ideal de vida. O humor das banalidades expostas é vivenciado somente por aqueles que podem pagar para terem o luxo de terem tais banalidades. O seriado pauta sua firmeza estética num discurso de uma determinada classe social.
Afinal, como elementos do programa mostram, é muito bem pontuado qual cidadão comum brasileiro é este. As duas famílias que formam o centro dos enredos são sustentadas por dentistas e corretores de imóveis. São cidadãos tributários que ostentam suas profissões tipicamente de classe-média, com filhos em colégios particulares e que podem tranqüilamente sustentar apartamentos próximos a uma praia carioca.
Sendo o Brasil um país de riquezas vergonhosamente mal distribuídas, com uma concentração de renda voltada para uma minoria tão ínfima, assustando até mesmo analistas de fora, é uma de suas características marcantes a enorme parcela da população que vive em condições desfavorecidas, com baixo poder aquisitivo. A Rede Globo, com seus mais de 80 milhões de expectadores diários, não possui exatamente entre os que acompanham sua programação uma massa de bon vivants. Muito pelo contrário, os principais telespectadores estão em classes sociais abaixo dos personagens retratados.
O deslumbramento que faz com que o índice de audiência do programa seja considerável (mais de 31 pontos de média durante a exibição do primeiro episódio) é justamente a sua não correspondência com uma realidade cotidiana. O cidadão comum brasileiro real vê os elementos exibidos e sente-se contemplado, mas não por uma identificação espontânea, mas por encontrar o arquétipo da condição na qual gostaria de estar. O que acontece é a aceitação de um discurso que se encontra invertido e não correspondente com a realidade. Contenta-se em suplantar e justificar a condição desfavorável em que se encontra. Assim terá a chance de sentir a glória da ascensão social.
 
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