dia internacional das mulheres
foto de Elliot ErwittGostaria muito de poder escrever “camaradas mulheres, negai a tirania falocêntrica sob a qual estão submetidas, erguei vossa bandeira e lutem por serem o que são num mundo onde são excluídas e chamadas de fracas e inferiores”, mas infelizmente o mundo se complicou demais para que um grito de luta tão velho desse conta da coisa. Essa busca heróica pela realização da mulher livre e independente criou um monstro. Mas como toda criatura, seus desdobramentos internos fazem-nos compreender melhor o que se poderia chamar de “Criador”. A busca pela verdade feminina, que sobrepujaria as calcinhas rosas de rendas com lantejoulas reluzentes e as saias menores que 40 cm, demonstrando que a realização de uma determinada feição identitária da mulher é apenas um semblante resignado que atende à brutalidade fálica das exigências sensuais masculinas, não mais corresponde à radicalidade que o engajamento feminista necessita. A satisfação espiritual das mulheres é atendida pelas linhas de produção, onde a cultura não é simplesmente reduzida a uma mercadoria, mas a própria mercadoria é culturalizada. Esse real tornado semblante, essa profundidade feminina tornada uma identidade efetivada no existente, nos arrasta para a mais cruel e intragável das conclusões: "A mulher não existe". A identidade feminina tornou-se mais um rosto de areia apagado pelas ondas de mais uma praia do fim da História. A identificação da mulher como tal atende a um imperativo de reprodução, tal qual qualquer outra subjetividade composta em uma racionalidade social mediada por uma ordem irracional efetiva. Se a verdade feminina, contudo, nasce com sangue e dor, ela não pode ser negada com simples indexações epistemológicas perfeitamente determinadas. A mulher se torna consciente sem os artifícios narcísicos masculinos, assumindo o olhar narrativo sem que a objetividade fálica se realize. Essa efetividade de uma consciência sem a base que a determinaria é a prova mais visível, talvez, que a constituição falocêntrica masculina é tão falsa quanto aquela que tentava inferiorizar pela ausência de seus pressupostos positivos. O “ser mulher” guarda dentro de si o irracionalismo da subjetividade alocada em qualquer identidade. Eis que surge a radicalidade de vossa condição existencial: Tudo aquilo que faz com que vocês pensem, sintam, desejem como o que entendem sob a idéia de que são mulheres, é aquilo que reproduz uma dupla relação opressiva – por um lado atendem perfeitamente a uma subjetividade que precisa ser exteriorizada em toda sua profundidade e intimidade relacionada a uma falsa universalidade, onde todos são politicamente corretos e, portanto, pró-femininos, mas ao mesmo tempo atende aos imperativos necessários para que se encaixem no sistema de produção, na divisão do trabalho, no ordenamento da exploração. Esse vazio violentamente imposto a vocês, que vêem o próprio sangue todo mês, que têm sensações, idéias e paixões reduzidas a uma falsa interioridade, mas que assustadoramente se torna efetiva (pois são mulheres!! - ou seja, é um vazio que preenche), são vocês que sentem de forma mais clara o ponto nevrálgico onde o horizonte depressivo e acomodado encontra a justificativa de uma revolta. Revolta que se desdobra para todos os outros, que também são meras formas opacas com falsos conteúdos. E é neste sentido que apóio a vossa luta, eu, que sou tudo aquilo que vocês devem negar, que tenho como pressuposto da minha forma de interagir com o real a contribuição para o vosso abuso, opressão, humilhação, que sou, quer eu queira ou não, vosso inimigo, desejo com toda sinceridade vossa vitória, assim como um suicida dispara uma arma contra o próprio crânio desejando que milagrosamente sobreviva, assim como alguns perdidos de gerações anteriores conseguiam desejar o impossível. Acho que é só. Beijos. Bom fim de semana.