excurso epistolar I
pois é, pedrão, meu caro, é para você que escrevo o primeiro texto de gênero epistolar deste blogue. sinta-se privilegiado. por que o escrevo? bem, antes de tudo, devo lembrar-lhe que veio de você a muito apropriada crítica quanto à ininteligibilidade de meus textos. é um ponto fraco que ainda me assombra e espero aprender a lidar com isso o mais cedo possível. acho que estou sob influência do "Carta ao pintor moço", do Mário de Andrade, que é de onde tirei aquele trecho que te mostrei outro dia sobre o caráter combativo da arte, lembra? depois disso lembrei que uma grande amiga de vez em quando escrevia pequenas cartas abertas em seu blogue. como sou vergonhosamente desprovido de personalidade, ou criatividade, roubo descaradamente a idéia. escrever para alguém, que não eu, tendo a feição do interlocutor mais claramente apreensível, talvez me ajude a manter os dois pés no chão ao tentar expor uma determinada idéia. talvez isso clareie onde encontrar o ponto particular do qual se desdobraria o universal... (despretensioso, não?) sem falar que retomar o gênero epistolar nos remete à tradição escolástica de expor uma determinação conceitual específica dentro de um acordo moral tácito entre dois fiéis que assumem um caráter intersubjetivo, mas são perdoados por estarem engajados na graça do Nosso Senhor (com o concílio de trento universitário na cola, é bom manter as boas aparências).
cara, não sabe como me animei com o seu retorno. ainda precisamos conversar direito sobre as coisas que você viu pela bolívia, o que fez, etc. seus relatórios eram bastante completos, mas há sempre algumas coisas que só são apresentadas de forma inteiriça no tête-à-tête (puta expressão de velho essa, eu sei, mas é tão fofa...). sempre que comparecíamos em alguma reunião mala entre centros acadêmicos, ou coisa do tipo, confessava pra gabi "nossa, se o pedrão estivesse aqui provavelmente ele diria alguma coisa engraçada e nos tiraria essa vontade de enfiar um garfo no olho de tanto engolir asneira alheia (rimou!)". sem falar na insegurança (unicamente de minha parte, pois a galera que ficou tá o capeta no benê) e tudo e tals de não ter você e o resto do time da velha guarda de meu deus (expressão idiomática roubada do rococó). futricagens e pieguices à parte, me convenço cada vez mais de que sou imbecil demais pra levar jeito pra coisa. a perspectiva crítica que tenho assume um caráter por demais inconsistente. para mim, um engajamento verdadeiramente radical deve negar o existente, o visado, a injunção positiva por trás do que tem sentido numa mediação alienada. o problema é que não encontro os pontos de mediação que possibilitem, a partir desta perspectiva parcialmente distanciada, encontrar formas de interação que atendam a essas pressuposições, tendo o dado concreto (bárbaro, portanto) como noção particular a ser negada e "transformada". não é nada fácil cobrar de si mesmo a negatividade total diante da necessidade constante de lidar com um imperativo de ação que, no final das contas, justamente pela forma e ordenação interna pela qual é atendido, obedece à solicitação de um ordenamento cínico, um stablishment obsceno. nos vemos obrigados a fazer a pergunta leninista diante de um cenário adorniano ("o que fazer?"). e percebo que ajo diante disso como um neurótico diante de seu objeto de desejo, ou seja, de forma patética e arrogante encontro minha satisfação abandonando o objeto e gastando todas as minhas forças no ato de desejar (nunca leu "Quando Nietzsche chorou"? obra-prima da psicanálise de auto-ajuda!). e no meio disso tudo, acho sinceramente a sua postura correta (assim como de nossos colegas, e de outros amigos queridos que um dia gostaria que você conhecesse): manter-se firme, mesmo diante do fim do mundo, mas sem deixar de dar umas boas risadas (brecht já dizia que aquele que não tiver um pingo de senso de humor jamais poderá entender completamente o que é a dialética). acredito que você, tirando o rubinho (que já conhecia faz tempo), foi a primeira pessoa no meio universitário com quem comecei a trocar uma idéia firme. o engraçado é que, se lembrar bem, nos conhecemos antes do meu ingresso à puc. foi na prova de vestibular para a fuvest, lembra? faz pouco tempo. não somos velhos amigos. mas algumas das amizades que mais valorizo hoje não datam de mais de três ou quatro anos. o mais humanamente coerente, portanto, seria entender que essas coisas não se deve hierarquizar e não se pode encontrar uma medida comum de valor. meio clichê (além de piegas), ainda que serenamente confortador (ou seja, digno de um livro de auto-ajuda).
se pá é isso, rapá.
nos vemos por aí, conforme as oportunidades.
abraços inquietos!