VESTIDO AZUL
domingo, julho 19, 2009
  sobre violência policial na universidade (reflexão sobre texto de flávio aguiar)
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16040

O link acima é de um texto, escrito já há algumas semanas, do Flávio Aguiar, publicado no site Carta Maior. Trata-se de um pequeno relato sobre as atividades que viu tocadas pelo movimento estudantil alemão. Abaixo é uma pequena reflexão sobre o conteúdo deste relato. Foi escrita às pressas e não pude formular melhor algumas das relações que foram feitas meio que de salto. Mas achei que talvez valesse a pena colocar aqui.

julguei o texto interessante porque ele traz uma descrição (ainda que questionável em vários pontos) in abstractum da coesão social que traça as coordenadas do que é estado de normalidade e exceção no paradigma ideológico berlinense, e isso tendo como foco o movimento estudantil de lá. o que se diferencia apenas em termos estruturais dos mecanismos que mediam estas relações objetivamente na situação italiana, grega e francesa, mas, no meu entender, tendo o mesmo substrato em todas. e é justamente esse substrato que os diferencia de nós latino-americanos e (o que é ainda mais delicado e bizarro) brasileiros, tendo apenas o capitalismo global como fator equivalente (seria um erro gravíssimo tomar a ideologia liberal pura e simplesmente como elemento de similitude).

pelo texto, é constatado um consenso liberal-democrático diante da existência da greve, tendo o ato dos estudantes como elemento legítimo daquilo que compõe o estado de normalidade alemão (não esqueçamos que até hoje existem por lá atos públicos de neo-nazistas – também de fascistas na Itália, e por aí vai... –, com as mais variadas e bizarras tendências, encarados pelo senso-comum delá como parte da sociedade, ainda que sejam desmerecidos e negligenciados pela mídia - assim como os atos de esquerdistas socialistas, anarquistas e comunistas). a necessidade externa (o Estado em si) que possui seu fim de forma imanente, portanto, realiza sua conciliação independentemente de suas formas particulares, formas que compõem suas identidades específicas dentro da ordem interna da sociedade, como a de cidadão, indivíduo, classe e identidade pública em geral, cada qual subsumida pela premissa maior, que é o próprio Estado (ou seja, o fim imanente subsumido à necessidade externa). os conflitos internos dessa sociedade surgem, então, correspondendo às aparências construídas pela ideologia (até aqui é o que marx aponta no Crítica à filosofia do direito de Hegel, entendendo as determinações essenciais do direito privado, ou seja, da dependência interna da sociedade civil, e o Estado, ou seja, a necessidade externa abstratamente concebida como realização para-si, conciliados de forma mistificadora – questão que em cada filósofo do direito é “superada” de maneiras diversas, seja pelo realismo kelseniano da justiça reconhecida como insuficiente para a consolidação da Grundnorm, pelo decisionismo de Schmidt ou pela ação comunicativa de Habermas, que no final deságua num kantismo renovado). paralelamente, o flávio constata que há, de facto, confrontos entre policiais e estudantes, ou seja, a necessidade do Estado afirmar violentamente sua legitimidade. Até aí, nenhuma novidade. Mas o que é curioso é o fato de ele (sem ter percebido) ter constatado dentro desse caldeirão posições diferentes socialmente aceitas dentro do que compõe uma mesma forma institucional (universidade): uma pede a cooperação em relação à continuidade da greve e a outra chama a polícia sob o argumento da reintegração de posse (o que nos é familiar). o erro do flávio (pelo menos aquele que ele não teve culpa[as observações sobre a antiga alemanha oriental são meio intragáveis na forma como foram colocadas, na minha opinião]) foi contrapor nas entrelinhas uma posição à outra, como posicionamentos estanques. o que ele não percebeu ao observar uma passeata pacifica de estudantes (ou seja, que foi aceita socialmente no contexto berlinense) no dia seguinte ao de “confronto” entre estudantes e polícia foi a identidade pública e a totalidade do estado de direito se tornarem descoladas, como se o corpo e a alma de um mesmo organismo (em termos modernizantes e próto-idealistas) agora tivessem se descolado um do outro, mas que funcionam e se interpenetram mesmo com esse descolamento. o universal e o particular ocupando o mesmo ponto nas coordenadas da coesão social européia. daí a identidade pública (universidade como tal) confrontar o estado de direito (ou seja, o universal e particular conciliado, materializado em polícia, aparelhamento estatal em processo de privatização) sem que tal condição se contradiga em sua realização.


é como se as aspirações que cobram uma determinada idéia de futuro encontrassem essa idéia realizada no próprio presente, tendo já realizado o grande sonho da civilização, porém ainda necessitando de um motor que coloque esses elementos em movimento. o que antes era vislumbrado como uma projeção de um dever-ser abstrato tornou-se efetivo. essa efetividade é o campo onde se legitima o que se chamou de pós-modernidade (desdobrando-se em todos os seus campos de teorização). a mera efetividade, porém, não se basta para que se mobilize e se movimente. fascista também depende de utopias para justificar o próprio engajamento. esse dever-ser, essa antevisão metafísica de um outro mundo é justamente o que caracteriza abstratamente o que se chamou de modernidade. o que se vê, portanto, é o funcionamento da universidade tendo sua coesão social através de uma perspectiva moderna, porém substanciada num solo pós-moderno. o Fredric Jameson chamou isso de “modernidade singular” (também de “modernidade tardia” – sim, é uma referência à obra de Mandel), mas poucos levaram a sério, ao menos levando esta conceituação até as últimas consequencias. nesse sentido, vê-se a receita perfeita para combinar capitalismo global, sociedade de mercadorias, com estado de direito jurídico e social; basta entender que as utopias, as aspirações sobre o futuro, se consolidam no presente, no “agora”, tendo o capital, em sua suprema irracionalidade, como ingrediente perfeito para combinar estas demandas filosóficas absurdas. por que as atende tão bem? porque é na forma mercadoria que se encontra o particular e o universal consolidados como dado concreto e efetivo. a mercadoria é uma coisa, um objeto externo que é antes mesmo de ser. Relação dual que é sem ser, assim como o estado democrático liberal, agora consolidado sem ser. é Wilhelm Meister adaptado para o cinema com trilha sonora de Wagner...

Quando pensamos no Brasil, bem, a história se altera drasticamente... aqui os conflitos internos não correspondem às aparências construídas pela ideologia. O liberalismo brasileiro se consolida sem que o trabalho se manifestasse como relação externa ao trabalhador. O escravo nunca se dissocia de seu trabalho, este é um luxo de um trabalhador livre. Ainda assim, essa ordem acumula renda. aqui, como em qualquer canto do mundo, valor de mercadoria se mensura por seu tempo de trabalho socialmente determinado. Aqui nunca foi necessária uma identidade pública para que se acumulasse renda. Aqui não precisa de comunidade aceitando greve, partes equânimes de uma disputa para que uma determinada condição se legitime. O “ser brasileiro” nasce como objeto externo (como José Antônio Pasta Jr. coloca muito bem, o brasileiro não apenas quer mercadoria, o brasileiro quer ser mercadoria). Falar em estado de direito brasileiro é falar em bananas nascendo no Himalaia, não importa se vem da esquerda ou da direita. Mas, ainda assim, se consolida enquanto dado efetivo. a ordem ontológica do direito é a economia política, e nisso somos muito atuais. O agronegócio está aí, capitalismo financeiro também, somos uma máquina de fazer dinheiro. Mas é só. Este “é só” basta para que uma das partes que compõe a dualidade necessidade externa / forma imanente exista na era de capitalismo tardio. Mas aqui há um luxo ainda maior: não precisa corresponder à aparência nenhuma, nunca precisou. Então estudante pode receber porrada à lá vonté que não existe polêmica, o senso-comum toma isso como havendo uma ordem social consolidada no existente. Não se trata de criminalização dos estudantes, ou dos movimentos sociais, etc. trata-se de consolidar lei e ordem. nesse sentido, a PUC está bastante adiantada, pois nela há um reitor que cobra uma identidade pública, mas numa sociedade que acha isso (em sua forma clássica) irrelevante. O que só complica a questão...

 
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