pequeno comentário sobre "Abraços partidos", de Almodóvar
Infelizmente não poderei fazer algo mais elaborado. Quem sabe quando passar o sufoco do cobrecos.
Acredito que o filme tenta fazer uma revisão crítica em velhos dilemas da apreensibilidade do objeto artístico tendo como base uma nostalgia por projetos estéticos em crise (ao menos considerando a ambição que lhes deu origem). Tudo isso dando, e minha opinião, com os burros n'água ao fim. Num primeiro momento há a aparência de uma desestruturação composicional da narrativa fílmica. Assim parece ao expor nos primeiros segundos do filme o processo de construção do enquadramento do rosto da atriz Penélope Cruz. Com o progredir do filme, percebe-se que, em verdade, o que se via não era a atriz compondo a personagem do filme, mas sim a personagem do filme que faz uma atriz que está a compor a personagem de um filme. A desestruturação exposta culmina num plano autoreflexo, tendo a desconstrução como mera referência de gênero que compõe a estrutura narrativa. Este círculo vicioso, esta má infinitude, acaba por permear composição do enredo e dos personagens. Dá com os burros n'água porque cria aspirações eloquentes de rompimento mediado de uma ordem fragmentária (metáfora clara do jovem reorganizando as imagens de seu passado como projeto espontâneo, e também de Harry Cane tocando a tela da televisão, tendo suas mãos no mesmo plano construído no início do filme, quando toca os seios da boa samaritana, como se à partir de agora devesse ser cobrado da forma obcena aparentemente contestadora uma relação de cognição [são as duas cenas mais belas do filme, em minha opinião]) aceitando e celebrando sua não unidade.
Acredito que podemos nos alegrar por, apesar das fortes limitações, Pedro Almodóvar preferir questionar e radicalizar a forma que lhe deu fama. (diferente de seu amigo resignado, Caetano Veloso)
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