sobre "reis e ratos"
ontem assisti "reis e ratos", do mauro lima, produzido pela paula lavigne (nome que acabou ganhando mais holofotes que o do diretor, hehehe). filme horroroso, mas revelador. seria um erro tratá-lo como inofensivo. é o golpe segundo a tropicália, a versão mais atualizada e sofisticada do establishment. constatando o óbvio clichê de tomar a ditadura como um interlúdio sombrio entre duas pontas de democracia na história, num ato de desvario preventivo contra as forças comunistas avolumadas, o tom paródico em relação ao cinema americano dos anos 50, meio roger corman misturado com noir genérico, articula-se seletivamente para confirmar e neutralizar os anseios históricos do presente. o que aparentemente ironizaria os protagonistas conspiradores (um militar brasileiro de média patente e um agente da cia seduzido pela "brasilidade" genérica pra inglês ver), serve para ao mesmo tempo cobrar simpatia e cumplicidade crítica, num balanceio seletivo que confirma as expectativas presentificadas quando resvalam nas figuras que representariam as forças históricas que levaram ao golpe. diante da verborragia astuta e cômica dos dois, o oligarca caipira se confirma atrasado, provinciano e pouco viril, a ex-garota de cidadezinha do sul que aspira à emancipação feminina é desmascarada como menina carente, cuja ideologia lhe permite ser extorquida e levada à prostituição, o marinheiro negro e comunista se revela um iludido, matraqueando discurso de agentes infiltrados, e por aí vai. assim, condena-se o golpe, mas tomando-o como distante e inofensivo, levando em conta que não conseguiu destruir o espírito festivo da identidade brasileira, enaltecendo que os descaminhos e os erros foram cometidos com amor. e como negar? afinal, não houve resistência, segundo o consenso elaborado. fato explicável apenas inserindo um médium em transe que previa conspirações. toda boa mentira não pode abdicar de um pouco de misticismo.
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