VESTIDO AZUL
NOTÍCIAS DE LÁ
Mônica BergamoFolha de S. Paulo, 29 de janeiro de 2007
QUASE LÁ Os organizadores da Flap -corruptela alternativa da Flip, a Festa Literária Internacional de Parati-, que até agora faziam o evento com recursos próprios, estão buscando patrocínios para ampliar sua programação. Querem trazer autores latino-americanos na próxima edição, em julho
nota de idílio
foi bem quando éramos pequenininhos,
eu e meu irmão.
subíamos no telhado
e escolhíamos algum cantinho.
era uma competição.
jogávamos pedaços de telhas
em pedestres qualqueres.
se faltasse telha
- era o maior sarro! -
ia mesmo pedra ou coisa que o valha.
o primeiro que errasse, perdia o jogo.
não era fácil!
não demorava pra perceber
que o feito exigia prática.
conforme crescíamos,
já diziam que tudo mudaria.
santidade
eram cristais secos.
saiam dos glóbulos oculares
da menina inocente
apareceu num domingo na tv.
planejava sua beatificação nas madrugadas
em belos autoflagelos.
a mais comum arbitragem
modelada
na mais pura imagem.
foi santa,
estrela,
milagre,
anomalia científica.
no dia seguinte, não era nada.
cactos*
Cômicos são os cactos
Quando apartados
De dentro de suas
Lógicas, abjetos.
Na ínfima destreza
De mesma natureza
(como rimas malfazejas)
Consomem da atmosfera
O avesso de todos, feras.
Pois, se desta parca inanição
Revelam o óbvio do fajuto,
Sustentam a própria progressão
Esfacelando o antes ancorado
E bruto.
(*) Inspirado no poema "O Cacto" de Fabio Aristimunho Vargas, dialogando com o de Manuel Bandeira.
vestido azul
Meu vestido era azul, com anágua discretíssima. Era o invólucro de minha calma em momentos tão inusitados.
Andando pela rua, senti-me esvaziar. Era muito sangue que escorria do meu torso. Foi quando perdi meu fígado. Estirou-se na calçada como o dejeto que era.
Logo depois foram pulmões, pâncreas, rins, intestinos, e, imaginem só, um coração! Todos a se desprenderem de mim!
Quando dei por mim, estava completamente vazia no meio da rua e com o vestido arruinado.